País pode se tornar grande exportador do produto, obtido com a energia de hidrelétricas, solar, eólica ou biomassa a partir de eletrólise
O Brasil tem vocação para produzir hidrogênio verde e pode se tornar, no longo prazo, exportador do combustível que entrou na pauta das principais empresas globais. A tecnologia tem sido considerada uma via eficiente para ajudar a descarbonizar principalmente o setor de transporte, responsável por um terço das emissões de gases efeito estufa (GEE) no mundo. Mas a indústria também começa a despertar para o novo combustível, que promete deixar a produção mais sustentável.
Ainda sem uso comercial para produção de energia, o hidrogênio é utilizado pela indústria química há mais de um século, produzindo fertilizantes e metanol, entre outros, mas a partir de combustível fóssil, sendo a forma mais barata através do gás natural. Nesse processo, o hidrogênio é conhecido como cinza. A partir do crescimento das fontes renováveis de energia foi possível obter o chamado hidrogênio verde, produzido com a energia de hidrelétricas, solar, eólica ou biomassa a partir de eletrólise (carga de energia para separação do hidrogênio).
A fonte ganhou ainda mais impulso após o anúncio da meta da União Europeia de se tornar neutra em emissão de carbono em 2050, o que será obtido através de subsídios e investimentos em novas tecnologias, que podem chegar a beneficiar o Brasil se o País conseguir avançar na produção do hidrogênio verde.
“Enquanto o Brasil ainda não conseguiu aprovar a Lei do Gás, a União Europeia está discutindo gasodutos de hidrogênio”, alerta o ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) Decio Oddone, ressaltando que essa demora da discussão sobre hidrogênio no País está ligada à sua matriz energética limpa, puxada em boa parte pelo uso de biocombustíveis no transporte (biodiesel e etanol).
Ele avalia que se o candidato democrata Joe Biden vencer as eleições norte-americanas, provavelmente a emissão de carbono será taxada, acrescentando os Estados Unidos nessa corrida pelo hidrogênio e abrindo mais um mercado imenso para o Brasil nessa área.
A previsão é de que a tecnologia seja introduzida primeiramente no mercado brasileiro em transportes coletivos e caminhões, substituindo o diesel. Para isso, é necessário desenvolver a célula combustível de hidrogênio.
“A técnica já é bastante dominada pela reforma a gás natural para produzir hidrogênio (cinza). É feita no mundo inteiro em larga escala. Mas há opções renováveis como a eletrólise da água, e principalmente se utiliza energia elétrica renovável e a gaseificação ou biodigestão de biomassas para a produção, são dois temas que o Brasil tem um potencial muito grande”, informa Paulo Emílio de Miranda, coordenador do Laboratório de Hidrogênio da Coppe/UFRJ e presidente da Associação Brasileira de Hidrogênio (ABH2).
Emissões
Desde 2005, a Coppe/UFRJ estuda o uso do hidrogênio em ônibus. Este ano, apresenta a quarta versão do modelo, já em fase pré-comercial. Um estudo da instituição demonstrou que se toda a frota de BRT do Rio de Janeiro (Transporte Rápido por Ônibus) fosse convertida para hidrogênio, o custo do novo combustível alcançaria paridade com o diesel já em 2025.
“E se você levar em conta os benefícios sociais e ambientais, já deveriam começar a usar antes”, diz Miranda, explicando que o preço do diesel seria maior se incorporasse os prejuízos ambientais e sociais que ocasiona com as emissões de gás carbônico.
Um dos entraves para a adoção do hidrogênio no Brasil é justamente a grande diversidade de fontes limpas que o País já possui – 43% da matriz energética e 83% da matriz elétrica –, incluindo na lista estudos para a célula combustível de etanol, um forte concorrente para a entrada comercial do hidrogênio no País.
Empresas globais como a Siemens também veem no hidrogênio uma opção. Na China, a empresa fechou parceria para fornecer seu primeiro sistema de produção para uma estação de abastecimento de hidrogênio verde em Pequim. No Brasil, o hidrogênio também poderá entrar nos planos da empresa no longo prazo, de acordo com o presidente da Siemens Energy, André Clark, que vê um potencial para exportação a partir do mercado brasileiro.
“O Brasil pode criar uma grande base de produção de hidrogênio perto de um parque eólico no Nordeste, por exemplo, e exportar sua energia renovável. Esse equacionamento tem muito a ver com geopolítica. A retomada verde da Europa pode beneficiar diretamente o Brasil”, afirma Clark(O Estado de S.Paulo)
Hidrogênio verde ainda levará uma década para dar lucro, diz RWE
A promoção do hidrogênio como fonte de energia limpa ganha ritmo na Europa, mas uma das maiores concessionárias da região alertou que levará uma década antes que o combustível seja rentável.
“Vai levar de 10 a 15 anos até que o negócio possa dar resultados satisfatórios”, disse Anja-Isabel Dotzenrath, CEO da unidade de energias renováveis da RWE. “No entanto, é uma área de crescimento atraente a longo prazo para a RWE”, disse em entrevista.
Embora o hidrogênio verde – produzido a partir de fontes de energia renováveis – seja cada vez mais visto como uma das melhores maneiras de reduzir as emissões da indústria e do transporte, os custos de produção ainda são o dobro da geração de combustível a partir do gás natural, de acordo com a BloombergNEF.
Esses custos deverão cair, já que o hidrogênio desempenha papel fundamental no Green Deal da União Europeia. Além disso, a Alemanha prometeu investir 9 bilhões de euros (US$ 11 bilhões) na produção local de hidrogênio verde. Esse apoio político é necessário para a tecnologia decolar, disse Dotzenrath.
Por sua vez, a RWE está incluindo o hidrogênio em sua estratégia para deixar o carvão e focar na energia de baixo carbono. Embora os ganhos de outras energias renováveis, como eólica e solar, já estejam impulsionando os lucros da concessionária alemã, o hidrogênio é visto como uma aposta de longo prazo, disse Dotzenrath.
A RWE anunciou em junho planos para fornecer hidrogênio para a siderúrgica Thyssenkrupp e promover o uso do combustível em seu futuro terminal de gás natural liquefeito na Alemanha. A concessionária também avalia construir uma usina de energia para hidrogênio de 100 megawatts nos Países Baixos.
A RWE vê oportunidades em toda a futura cadeia de abastecimento de hidrogênio. Além de fornecer eletricidade verde, possui o know-how para construir suas próprias instalações de produção de hidrogênio e capacidade de armazenar o combustível. A conversão de usinas operadas a gás para receber hidrogênio também está nos planos da empresa.
“Subsídios e impostos de carbono são necessários para o setor crescer”, disse Antoine Vagneur-Jones, analista da equipe de política de transição energética da BNEF para Europa, Oriente Médio e África. “Teremos que ver quão ambicioso será o apoio à política antes de prever os retornos esperados das empresas” (Bloomberg)