O Ibovespa afundou no primeiro pregão da semana, perdendo 4,87% aos 112.667 pontos, puxado pelas ações da Petrobras que derreteram mais de 20% hoje após o presidente Jair Bolsonaro indicar a substituição de Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Silva e Luna no comando da estatal. O mandato do atual chefe da Petrobras encerra em 20 de março e a nova indicação depende de aprovação do conselho de administração da companhia.
O presidente sinalizou ainda que mais mudanças devem acontecer na Petrobras e no setor elétrico nos próximos dias. “Assim como eu dizia que queriam me derrubar na pandemia pela economia fechando tudo, agora resolveram me atacar na energia”, disse Bolsonaro a apoiadores em Brasília. “Vamos meter o dedo na energia elétrica que é outro problema também.”
O general Silva e Luna, indicado pelo governo brasileiro para substituir o atual presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, disse hoje que não discutiu e não tem uma opinião sobre uma eventual privatização da companhia.
“Não conversei em nenhum momento com o governo sobre o assunto, então não me considero em condições de fazer nenhum juízo de valor”, afirmou o general.
Repercussão
Depois da decisão, anunciada na sexta (19), analistas de mercado rebaixaram suas recomendações para as ações da estatal. A XP Investimentos cortou a recomendação para os papéis da Petrobras de “neutro” para “venda” no domingo, em relatório sob o título “Não há mais como defender”. O BTG Pactual rebaixou a recomendação para “neutra”, enquanto o Bradesco reduziu para “underperform”. O Credit Suisse baixou a recomendação para “underperform” e reduziu pela metade o preço-alvo para os papéis, de R$ 16 para R$ 8.
O Morgan Stanley removeu a recomendação “like” sobre os títulos soberanos do Brasil hoje, citando preocupações fiscais e potenciais repercussões da troca no comando da Petrobras. A recomendação anterior positiva sobre a dívida soberana brasileira dependia do governo tratar das preocupações fiscais por meio de reformas.
“As mudanças na Petrobras são preocupantes nesse sentido, já que mostram que a tolerância a políticas impopulares é baixa, talvez direcionada por considerações eleitorais”, disseram analistas do banco.
A gerência de acompanhamento de empresas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu hoje investigação envolvendo a Petrobras. Pela legislação societária, empresas listadas em bolsa, como a Petrobras, devem comunicar informações importantes como essa por meio de um fato relevante, o que não aconteceu.
Dólar e Wall Street
O dólar começou a semana em alta frente ao real, avançando 1,26% a R$ 5,45 na venda, impulsionado pelo aumento do risco político no ambiente doméstico. A moeda desacelerou os ganhos ao longo da tarde, após atuação do Banco Central e alguma melhora no exterior.
O BC vendeu hoje US$ 1 bilhão em novos contratos de swap cambial tradicional: 11.700 contratos para vencimento em 1º de outubro de 2021 e 8.300 para 1º de junho. O dólar chegou a desacelerar os ganhos, descendo a R$ 5,4757 na mínima após a operação, mas voltou a ganhar força ao longo do dia.
O leilão de novos swaps pelo BC teve o objetivo de reduzir o gap de depreciação entre o real e seus pares. Ainda assim, enquanto o dólar subia cerca de 2%, a moeda brasileira ganhava 1,4% ante peso mexicano e lira turca e 0,9% contra o rand sul-africano.
O BC também fez nesta sessão operações para rolagem de contratos de swap cambial vincendos em abril e de linhas de dólares com compromisso de recompra que vencem em março.
No exterior, os índices acionários dos Estados Unidos fecharam em campo misto, com os crescentes rendimentos dos Treasuries (títulos da dívida pública norte-americana) e perspectivas de aumento da inflação aumentando as preocupações com os preços das ações, principalmente entre os papéis dos setores de crescimento, como as ações de tecnologia.
“A maioria das ações de crescimento se beneficia da queda da taxa de juros. Se a expectativa é de os juros subirem, isso reduziria o valor intrínseco das ações de crescimento”, explica Sam Stovall, estrategista-chefe de investimento da CFRA Research.
Os rendimentos dos Treasuries de dez anos já alcançaram 1,3940%, acima da marca psicológica de 1,30%.
No fechamento, o Nasdaq Composite, índice com forte peso das ações de tecnologia, despencou 2,46% aos 13.533 pontos. O S&P 500 teve queda de 0,77% aos 3.876 pontos e o Dow Jones terminou o dia em alta de 0,09% aos 31.521 pontos (Reuters)
Bolsonaro e Petrobras têm 72 horas para explicar mudança na petrolífera, decide Justiça
O presidente Jair Bolsonaro e a Petrobras (PETR4) têm 72 horas para explicar os motivos que levaram à troca do comando da estatal de Roberto Castello Branco pelo general Joaquim Luna e Silva, decidiu nesta segunda-feira (22/2) a Justiça Federal de Minas Gerais ao analisar uma ação popular.
Na ação, dois advogados pedem que a Justiça dê uma liminar para barrar a troca na direção da Petrobras. O juiz federal André Prado de Vasconcelos decidiu que, antes de julgar o pedido, quer ouvir as partes envolvidas.
“Por oportuno, destaco que, conforme amplamente divulgado pelos veículos de comunicação, a aprovação do indicado para a presidência da Petrobras depende de deliberação do respectivo Conselho de Administração, ainda não ocorrida”, disse.
“Assim, intimem-se os réus tão-somente para manifestação, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, sobre o pedido de liminar, articulando, de forma concisa e objetiva, as razões e argumentos que entender pertinentes e relevantes à discussão da causa”, afirmou o magistrado.
Procurada, a Advocacia-Geral da União, que representa o presidente judicialmente, disse que não comenta processos em tramitação na Justiça.
A Petrobras não respondeu de imediato pedido de comentário.
Bolsonaro anunciou a troca no comando da Petrobras na sexta-feira à noite, decisão essa que desde então tem causado forte repercussão no mercado em geral e mais especificamente nas ações da empresa.
No pregão da bolsa em São Paulo nesta segunda, os papéis preferenciais da estatal desabaram 21,5%, enquanto as ações ordinárias despencaram 20,5%. O Ibovespa caiu 4,9% (Reuters)
Análise: Bolsonaro serve Petrobras como bufê a seus aliados
Para o presidente, manter controle sobre semiestatal é questão de sobrevivência: com postos e outras regalias, ele mantém satisfeitos militares e aliados no Congresso. Mas queda vertiginosa na bolsa prenuncia catástrofe.
Para surpresa de muitos, o presidente Jair Bolsonaro demitiu na sexta-feira (19/02) o chefe da Petrobras, colocando em seu lugar um general da reserva. O chefe de Estado estava incomodado com o aumento dos preços da gasolina e diesel, anunciado pelo ex-presidente da semiestatal Roberto Castello Branco. Transportadores e caminhoneiros haviam ameaçado com protestos.
Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa e general de quatro estrelas na reserva, é quem assumirá agora o comando do maior conglomerado de petróleo e energia da América Latina. O conselho de administração da Petrobras ainda precisa dar seu aval para a medida.
Já se contam com protestos dos acionistas minoritários, pois o anúncio de Bolsonaro fez os ações da empresa despencarem 7% na bolsa de valores de Nova York, na sexta-feira, resultando num prejuízo de 11 bilhões de dólares.
Esperam-se outras quedas de cotação durante a semana. Antes mesmo da abertura do pregão, nesta segunda-feira, a ação da semiestatal já estava em apenas 8 dólares, portanto 15% menos do que antes da mudança de pessoal. Comparando: em 2008, quando a Petrobras era a multinacional latino-americana mais valiosa, suas ações estavam cotadas em mais de 70 dólares em Wallstreet, onde eram o título estrangeiro mais negociado.
Diversos bancos de investimentos aconselham agora a venda das ações, pois a substituição do presidente faz prever que quem voltará a decidir os destinos da empresa são o governo brasileiro e as Forças Armadas ligadas a ele. Embora listada na bolsa, a Petrobras está sob controle estatal.
Assunto tradicionalmente militar
O fato desperta lembranças ruins. Sob os governos de esquerda dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (2003-2016), a Petrobras já havia sido instrumentalizada. Com intervenções estatais em sua política de preços, os dirigentes tentaram conter a inflação, instrumentalizando a petroleira para uma política industrial na economia como um todo.
No fim das contas, a Petrobras estava envolvida em todos os setores da economia, e quase todos os projetos de investimento fracassaram. Além disso, mais tarde ela esteve no centro da Operação Lava Jato, o maior escândalo de corrupção da história brasileira.
A partir de 2015, o conglomerado foi gradativamente sendo saneado. Porém há muito esse processo está paralisado: a Petrobras quer, por exemplo, se livrar da metade de suas refinarias, mas não encontra interessados. Diante da atual intervenção e do controle de preços, dificilmente algum conglomerado químico estará disposto a investir nessas refinarias.
Além disso, em meados de fevereiro o diretor de compliance Marcelo Zenkner anunciou que deixaria a Petrobras. Ao jornal Estado de S. Paulo, o principal opositor à corrupção da companhia explicou que o clima político mudara, desde o fim de 2020, e que a base para independência e autonomia estava comprometida.
Para Bolsonaro, o controle sobre a Petrobras é uma questão de sobrevivência política: ele precisa manter satisfeitos seus novos aliados do Centrão no Congresso e os militares, com cargos, orçamentos e outras regalias da Petrobras. Agora o presidente lhes coloca a semiestatal à disposição, como um bufê.
Também tem assim continuidade a militarização crescente da economia sob Bolsonaro. Para as Forças Armadas, a Petrobras é, tradicional e indiscutivelmente, assunto seu. Já antes da ditadura militar (1964-1985), a direção do conglomerado cabia exclusivamente a militares, entre eles o futuro presidente Ernesto Geisel. Apenas nos anos 90 eles perderam sua influência, em decorrência da privatização parcial da petroleira e sua listagem na bolsa de valores (DW)